POESIA - Cora Coralina



Mestre Silvina

Vesti a memória com meu mandrião baião.
Centrei nas mãos meu vintém de cobre.
Oferta de uma infância pobre, inconsciente, ingênua,
revivida nestas páginas.
Minha escola primária, fostes meu ponto de partida,
dei voltas ao mundo.
Criei meus mundos...
Minha escola primária. Minha memória reverencia minha velha Mestra.

Nas minhas festivas noites de autógrafos, minhas colunas de jornais e livros, está sempre presente minha escola primária.
Eu era menina do banco das mais atrasadas.

Minha escola primária...
Eu era um casulo feio, informe, inexpressivo.
E ela me refez, me desencantou.
Abriu pela paciência e didática da velha mestra,
cinquentanos mais do que eu, o meu entendimento ocluso.

A escola da Mestre Silvina...
Tão pobre ela. Tão pobre a escola...
Sua pobreza encerrava uma luz que ninguém via.
Tantos anos já ocorridos...
Tantas voltas deu-me a vida...
No brilho de minhas noites de autógrafos,
luzes, mocidades e flores à minha volta, bruscamente a mutação se faz.
Caia o microfone, a voz da saudação.

Peça a peça se decompõe a cena,
retirados os painéis, o quadro se refaz,
tão pungente, diferente.
Toda pobreza da minha velha escola
se impõe e a mestra é iluminada de uma nova dimensão.
Estão presentes nos seus bancos
seus livros desusados, suas lousas que ninguém mais vê,
meus colegas relembrados...
Queira ou não, vejo-me tão pequena, no banco das atrasadas.
E volto a ser Aninha,
aquela em que ninguém 
acreditava.

CORA CORALINA  (1889-1985)

Um comentário:

  1. Nunca fui muito chegada à poesia. Invejo os que são aficcionados, pois tem uma alma sensível. Sempre fui muito prática.

    Mas, essa da Cora Coralina me conquistou. Lí para os alunos inclusive, e disfarcei pois fiquei emocionada.

    Como homenagem ao dia dos professores é uma boa dica.


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